quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Até que ponto as emoções negativas podem afetar a aprendizagem?

Que as emoções negativas interferem na aprendizagem ninguém duvida. Afinal, quem de nós já não teve algum tipo de experiência em que se sentiu publicamente humilhado por um comentário inadequado de um professor, e a partir daquele momento teve dificuldade de prestar atenção e aprender naquela determinada matéria? Quem de nós nunca teve um “branco” em uma prova ou exame, em decorrência de alta ansiedade? O objetivo deste texto é buscar entender como estas e outras emoções negativas podem comprometer a aprendizagem e rendimento escolar, sob a ótica da neurociência.

De que forma o cérebro processa as emoções, sejam elas positivas ou negativas? Como este processamento influencia a capacidade de prestar atenção do aluno e lembrar-se de informações? O estudo das respostas emocionais do cérebro começa pelo sistema límbico, reconhecido por alguns pesquisadores como o Centro Emocional do Cérebro (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2009). Dentro deste sistema, a amígdala é uma estrutura fundamental para o processamento das emoções (Phelps & LeDoux, 2005). Ela está envolvida tanto nas reações emocionais implícitas (um inesperado e temido evento) como nas aprendizagens emocionais explícitas (aprender sobre um perigo e lembrar a informação). Nestas últimas ocorre também a participação do hipocampo, estrutura chave para o processamento da memória. Pesquisas revelam que a atividade da amígdala fortalece as memórias (Ferry, Roozendaal & McGaugh, 1999). Há, portanto, uma relação entre emoções e memória.

Segundo Hardiman (2012), um aspecto importante do processamento emocional e que tem marcada influência na aprendizagem emocional é o modo como nosso cérebro responde ao medo. Quando recebemos informações provindas de nossos sentidos, o sinal sensorial é enviado para o tálamo, que por sua vez envia informações para vários sistemas cerebrais para processamento, incluindo o córtex cerebral (centro do pensamento). Ao mesmo tempo, o tálamo envia sinal para a amígdala com intuito de avaliar se o sinal sensorial envolve perigo ou ameaça. A via em que o sinal viaja do tálamo para a amígdala é mais rápida do que a via em que é mandado para o córtex. Joseph LeDoux (1996) chama de “low road” esta via rápida que permite ao cérebro se preparar para uma resposta imediata de perigo potencial (p. 163). Por outro lado, a “high road” é a via mais lenta (mas também mais minuciosa em sua análise) por onde o sinal se propaga do tálamo para o córtex.

Este duplo sistema para a percepção sensorial da ameaça tem um propósito. A via rápida para a amígdala nos permite agir diante de situações potencialmente perigosas antes que tenhamos plena compreensão da extensão do perigo ou até mesmo se este perigo é real. Contudo, mesmo sendo rápido e eficiente, este sistema não nos fornece avaliações precisas. Em decorrência disto, LeDoux (1996) afirma que “o processamento emocional majoritariamente na amígdala tem uma influência maior no córtex do que este tem na amígdala, permitindo que reações emocionais dominem e controlem o pensamento”(p.303).

Nossas emoções e pensamentos não são as únicas funções afetadas diante do perigo. Logo que a amígdala percebe perigo, uma cascata de reações físicas são desencadeadas. A informação processada pela amígdala ativa o hipotálamo, que por sua vez ativa os hormônios do stress. Em consequência disso, podem aparecer sintomas como elevada pressão sanguínea, aumento da frequência cardíaca e contração muscular. Esta reação de stress deveria ocorrer e cessar em um curto espaço de tempo, exatamente como ocorre nos animais. No entanto, o stress pode se tornar frequente e crônico na vida cotidiana. O stress crônico danifica o sistema cardiovascular, digestivo e imune. Há estudos que demonstram que ele também pode causar danos ao hipocampo e ao córtex frontal, afetando a memória e o processamento de informação (McEwen &Sapolsky, 1995), consequentemente, a aprendizagem.

No contexto da sala de aula, por melhor que seja a intenção do professor de criar uma atmosfera de harmonia em suas aulas, nem sempre é este o tipo de clima que predomina.  Pekrun, Goetz, Titz and Perry (2002)  pesquisaram as emoções que os alunos afirmam experimentar num dia escolar. Uma grande variedade de emoções foram citadas, inclusive as positivas, que são associadas à aprendizagem. No entanto, a emoção mais frequentemente identificada foi a ansiedade, chegando a 25% das respostas citadas. Os pesquisadores identificaram que os alunos com alta ansiedade também apresentavam altos níveis de cortisol. Problemas comportamentais desencadeados por ansiedade  têm sido associados a altos níveis de cortisol (Ruttle et al., 2011). Caso  a situação de problemas comportamentais perdure por um longo período de tempo, a reação de stress contínuo pode levar o aluno a deixar de se importar com sua performance escolar, resultando na piora de seu rendimento acadêmico.


É fundamental que cada professor, da educação infantil ao ensino superior, tome consciência destes fatos. Preparar bem as aulas, apresentar conteúdos de forma interessante, utilizar modernos recursos tecnológicos, etc., são fatores muito importantes para o enriquecimento do processo de ensino-aprendizagem. No entanto, se como pano de fundo, não houver um bom vínculo afetivo e respeito na relação professor-aluno, todos os esforços e tecnologias pedagógicas empregados poderão resultar em fracasso de aprendizagem.


Bibliografia:

Ferry, B., Roozendaal, B., & McGaugh, J.L. (1999). Role of norepinephrine in mediating stress hormone regulation of long-term memory storage: A critical involvement of the amygdala. Biological Psychiatry, 46(9),1140-1152.

Gazzaniga, M.S.,Ivry, R.B., & Mangun, G.R. (2009). Cognitive neuroscience: The biology of the mind (3rd. ed.). New York, NY: Norton.

LeDoux, J.E. (1996). The emotional brain: The mysterious underpinnings of emotional life. New York, NY: Simon & Schuster.

McEwen, B.S., & Sapolsky, R.M. (1995). Stress and cognitive function. Current Opinion in Neurobiology, 5(2), 205-216.

Phelps, E.A., & LeDoux, J.E.(2005). Contributions of the amygdala to the emotional processing: From animal models to human behavior. Neuron, 48(2), 175-187.

Pekrun, R., Goetz, T., Titz, W., & Perry, R.P. (2002). Academic emotions in students' self-regulated learning and achievement: A program of qualitative and quantitative research. Educational Psychologist, 37(2), 91-105

Ruttle et al., 2011. Disentangling psychobiological mechanisms underlying internalizing and externalizing behaviors in youth: Longitudinal and concurrent associations with cortisol. Hormones and Behavior, 59(1), 123-132.



Cristiane Marx Flor, Psic., MSc.

Fonte: Hardiman, M. The Brain-Targeted Teaching Model for 21st Century Schools (2012).Thousand Oaks, CA: Corwin.




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