quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Por que alunos não gostam da escola? Parte II

Estamos no início de mais um ano letivo. Sentimos o cheiro de grande expectativa pairando no ar. Dentro de alguns dias, muitos professores começarão a  perceber que alguns (ou muitos?) alunos de sua turma não gostam de estudar. Este texto é a segunda parte de uma reflexão previamente publicada neste blog, com objetivo de pensar  as razões que levam tais alunos  a não gostar da escola, sob a perspectiva da neurociência. Utilizamos o livro “Why don’t students like school?” do neurocientista Daniel T. Willingham como fonte de referência.


Retomaremos nossa reflexão procurando compreender como se dá o processamento do ato de pensar. Para facilitar o entendimento, utilizaremos um modelo cognitivo bastante simples:
A Memória de Trabalho é aquela que nos dá consciência do que estamos fazendo e do que está à nossa volta. Ela atua no momento em que a informação está sendo adquirida, retém esta informação por pouco tempo e depois a destina para ser guardada na Memória de Longo Prazo (MLP). Chegando nesta última, as informações ficarão fora do campo da nossa consciência, como se estivessem aguardando o momento de serem requisitadas pela Memória de Trabalho (MT) para se tornarem ativas. O ato de pensar se dá quando combinamos as informações provindas do meio ambiente e da MLP.  Para sermos bem sucedidos nesta tarefa, é essencial que saibamos combinar e reorganizar as ideias na MT.


Muitas vezes as informações provindas do meio ambiente não são suficientes para a resolução de um determinado problema. Então precisamos fazer uso suplementar das informações de nossa MLP.  Lembremos que nossa MLP não contém unicamente informações a respeito de fatos e de dados. Ela também contém dados sobre modos de procedimento em determinadas tarefas. Possuir um vasto lastro de conhecimento processual e fatos armazenados em nossa MLP, enriquece significativamente nosso pensar. Tomemos como exemplo a tradicional aprendizagem da tabuada.Tanto o conhecimento sobre o processo de como ela é estruturada quanto a sua memorização mecânica auxiliam-nos a ter mais rapidez e eficácia de pensamento diante de um problema de matemática.

Por sua vez, nossa MT permite um armazenamento temporário de dados e  seu espaço é limitado. Se sobrecarregarmos nossa MT com uma overdose de informações e procedimentos, nosso pensamento perderá eficácia de forma significativa. O professor deve estar constantemente atento a este fato.

Havendo compreendido como se dá o processamento do ato de pensar, podemos finalmente retornar à pergunta que inspirou nosso texto. É certo que há muitas e diferentes razões (sociais, afetivas, econômicas, etc.) pelas quais um aluno pode não gostar da escola. Sob uma perspectiva  cognitiva e bastante abrangente, podemos afirmar que o fator preponderante é a possibilidade efetiva (ou não) do aluno sentir-se gratificado ao solucionar problemas diversos através de seu raciocínio.

O que fazer então para garantir que os alunos sintam gratificação no ato de pensar? Willingham oferece algumas sugestões práticas aos professores no contexto da sala de aula :
  1.   Ao preparar sua aula, certifique-se de que haverá de fato problemas instigantes a serem resolvidos. Desafie seus alunos a solucionarem-nos. Despejar uma grande quantidade de informações "mastigadas" sobre os estudantes, deixando de criar oportunidades para fazê-los pensar, é sem dúvida um grande erro.
  2. Respeite os limites cognitivos dos seus alunos. Certifique-se de que eles têm conhecimentos prévios que lhes darão base para que possam entender e solucionar os problemas. Se lhes faltar embasamento prévio, eles rapidamente qualificarão o trabalho proposto como “um tédio”. Igualmente importante é o respeito aos limites da Memória de Trabalho. Sobrecarga de MT pode ser causada por instruções demasiadamente complexas, listas de fatos desconectados, cadeias de raciocínio com mais de três passos ou  aplicação de um conteúdo recém- ensinado a um novo problema.
  3. Procure provocar interesse sobre os conteúdos que está desenvolvendo. Todos nós conhecemos ou já ouvimos falar daqueles famosos professores “showman”, ou daquelas "professoras- mãezonas", dos professores engraçados que contam piadas, e a lista vai longe. O que tais professores têm em comum? Eles são amados por seus alunos, reconhecem a importância vital do vínculo afetivo para o processo de ensino-aprendizagem e investem nele. Sendo positivo ou negativo, o vínculo será essencial para a ocorrência da aprendizagem. No entanto, isso só não basta. Os professores mais eficientes são aqueles que efetivamente combinam dois atributos: habilidade para se conectar afetivamente com seus alunos e habilidade para organizar os conteúdos de forma que os torne instigantes, levando os alunos a terem sucesso ao pensar. 
  4. Certifique-se de que seus alunos possuam conhecimentos prévios para ancorar os novos conteúdos. Conhecimento prévio é um elemento determinante para julgarmos se um novo conteúdo será (ou não) interessante. Não é preciso trazer exemplos de astros do Rock, filmes famosos, games, ou outros assuntos da realidade do aluno para despertar interesse em cada aula. Muitos conteúdos nem se prestam para tanto. O conhecimento prévio também é determinante para o sucesso do trabalho do aluno. Quanto mais soubermos, mais fácil será aprender coisas novas. Os processos cognitivos como análise, síntese e crítica não operam sozinhos. Eles precisam de conhecimentos  prévios  para ativar seu funcionamento.
Se nenhum desses conselhos pareceu novidade a você, professor, fico feliz! Trazer novidades não era objetivo desta reflexão. Ao contrário do desejo de muitos, a neurociência não tem a finalidade de trazer novas respostas  a velhas perguntas na área da educação. Ainda há muita água para rolar debaixo da ponte que une a neurociência à educação. Utilizando-se de evidências empíricas e sólida fundamentação neurobiológica, a neurociência tem contribuído para explicar certos processos e fenômenos que educadores  já conheciam e/ou aplicavam há muito tempo. Sabiam que funcionava, mas não sabiam por quê. Finalmente começamos a entender os porquês.



          Cristiane Marx Flor,  Psic., MSc.

          Fonte: Willingham, Daniel T., 2009. Why don't students like school?, Jossey-Bass, CA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário