Procurando respostas mais abrangentes a esta questão,
deparei-me com um livro instigante do neurocientista Daniel Willingham (Why
don’t students like school?), que utiliza as lentes da neurociência para
refletir sobre esta questão.
Já no primeiro capítulo, Willingham nos desacomoda,
apresentando uma forma surpreendente de entender o cérebro e os processos
cognitivos. Segundo ele, ao contrário da opinião popular, o cérebro não é formatado
para pensar. Nosso órgão mais complexo possui diferentes sistemas funcionais
que operam com muito mais eficiência e precisão do que nossa capacidade para
pensar, como por exemplo, o sistema visual e motor. Comparada à nossa
habilidade para ver e nos movimentar, pensar é uma ação lenta, requer muito
trabalho, e é incerta. Não precisamos
fazer força para enxergar, mas temos que nos concentrar para pensar. O sistema
visual raramente produz equívoco, mas o ato de pensar pode nos levar a
conclusões erradas ou a conclusão nenhuma.
O autor revela que na maior parte do nosso dia, não
precisamos utilizar o raciocínio. Utilizamos mais a nossa memória. Grande parte
dos problemas que enfrentamos no nosso cotidiano já foi solucionada em um
momento anterior. O que fazemos é repetir ações conhecidas. Nosso sistema
mnemônico é muito mais confiável do que o ato de pensar. A memória provê respostas rápidas e sem muito
esforço.
Normalmente pensamos em memória como um estoque de eventos e
fatos diversos. No entanto, nossa memória é mais do que isso. Ela também é responsável pelo armazenamento de estratégias para guiar nossas ações. A utilização da memória não requer muito
de nossa atenção. Este fato nos permite, por exemplo, fazer devaneios enquanto estamos cruzando uma movimentada avenida no trânsito. Permite-nos também fazer
uso de nosso piloto automático. Para guiar nossas ações, somos mais inclinados a
usar nossa memória do que a utilizar o ato de pensar.
Por outro lado, também sabemos que o ser humano gosta de
pensar. Somos naturalmente curiosos e buscamos oportunidades para entender o
que nos intriga. Como pensar é uma ação complexa, necessitaremos
condições cognitivas favoráveis para dar vasão à nossa curiosidade. Caso
contrário, evitaremos ou desistiremos de pensar.
Solucionar problemas ou qualquer atividade cognitiva que seja
bem sucedida produz prazer. Muitos neurocientistas
suspeitam que o sistema de aprendizagem e o sistema cerebral de recompensa
natural estão interligados. Sabe-se que a dopamina é importante para ambos os
sistemas, mas ainda não sabemos exatamente
de que forma se dá esta relação. Teremos prazer em pensar se julgarmos que o
trabalho mental será recompensado pela sensação de prazer que ele nos trará. No
exato momento em que nossa curiosidade nos impele a explorar novas ideias e problemas,
avaliamos quanto esforço mental será necessário para solucionar o referido problema.
Se for excessivo ou muito pequeno, nosso esforço não valerá à pena.
No contexto escolar, quando o aluno trabalha com atividades em
um nível adequado de dificuldade, estudar se tornará um trabalho recompensador.
Por outro lado, realizar atividades em um nível excessivamente fácil ou difícil,
tornará o trabalho desagradável. Se um aluno for constantemente bombardeado com
tarefas demasiadamente complexas para seu nível de entendimento, correrá o
risco de desencadear um alto grau de
frustração, comprometendo sua autoestima e seu prazer em estudar.
Qual seria a solução? Oferecer atividades mais simples? Se tentássemos seguir por este "atalho", não estaríamos contribuindo para o pleno desenvolvimento do potencial cognitivo do aluno. Além disso, teríamos que ter muita cautela para não tornar as atividades tão fáceis a ponto de
entediá-lo e/ou desmotivá-lo. Por outro
lado, em vez de tornar o trabalho mais fácil, seria possível tornar o ato de pensar
mais fácil?
A resposta a esta questão é bastante complexa. Precisaremos
entender como se dá o processamento do ato de pensar. Irei abordá-lo na Parte
II deste texto, a ser postado em breve neste blog.
Cristiane Marx Flor, Psic., MSc.
Fonte: Willingham, Daniel T., 2009. Why don't students like school?, Jossey-Bass, CA.
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