quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Por que alunos não gostam da escola? Parte I

                            
Em minha experiência como psicóloga escolar, não saberia dizer quantas dezenas (ou até centenas) de vezes escutei de pais e professores a clássica pergunta: “Por que alunos não gostam da escola”? Há muitas teorias a respeito. Alguns culpam o sistema educacional, retrógrado e limitado, que não acompanhou os avanços da modernidade. Outros culpam as aulas de baixa qualidade de professores desmotivados e sem preparo. Há também aqueles que culpam o próprio aluno e sua busca constante pelo prazer, não vendo sentido prático nos conteúdos que são ministrados na escola.

Procurando respostas mais abrangentes a esta questão, deparei-me com um livro instigante do neurocientista Daniel Willingham (Why don’t students like school?), que utiliza as lentes da neurociência para refletir sobre esta questão.

Já no primeiro capítulo, Willingham nos desacomoda, apresentando uma forma surpreendente de entender o cérebro e os processos cognitivos. Segundo ele, ao contrário da opinião popular, o cérebro não é formatado para pensar. Nosso órgão mais complexo possui diferentes sistemas funcionais que operam com muito mais eficiência e precisão do que nossa capacidade para pensar, como por exemplo, o sistema visual e motor. Comparada à nossa habilidade para ver e nos movimentar, pensar é uma ação lenta, requer muito trabalho, e é incerta.  Não precisamos fazer força para enxergar, mas temos que nos concentrar para pensar. O sistema visual raramente produz equívoco, mas o ato de pensar pode nos levar a conclusões erradas ou a conclusão nenhuma.

O autor revela que na maior parte do nosso dia, não precisamos utilizar o raciocínio. Utilizamos mais a nossa memória. Grande parte dos problemas que enfrentamos no nosso cotidiano já foi solucionada em um momento anterior. O que fazemos é repetir ações conhecidas. Nosso sistema mnemônico é muito mais confiável do que o ato de pensar.  A memória provê respostas rápidas e sem muito esforço.

Normalmente pensamos em memória como um estoque de eventos e fatos diversos. No entanto, nossa memória é mais do que isso. Ela também é responsável pelo armazenamento de estratégias para guiar nossas ações. A utilização da memória não requer muito de nossa atenção. Este fato nos permite, por exemplo, fazer devaneios enquanto estamos cruzando uma movimentada avenida no trânsito. Permite-nos também fazer uso de nosso piloto automático. Para guiar nossas ações, somos mais inclinados a usar nossa memória do que a utilizar o ato de pensar.

Por outro lado, também sabemos que o ser humano gosta de pensar. Somos naturalmente curiosos e buscamos oportunidades para entender o que nos intriga. Como pensar é uma ação complexa, necessitaremos condições cognitivas favoráveis para dar vasão à nossa curiosidade. Caso contrário, evitaremos ou desistiremos de pensar.

Solucionar problemas ou qualquer atividade cognitiva que seja bem sucedida produz prazer.  Muitos neurocientistas suspeitam que o sistema de aprendizagem e o sistema cerebral de recompensa natural estão interligados. Sabe-se que a dopamina é importante para ambos os sistemas,  mas ainda não sabemos exatamente de que forma se dá esta relação. Teremos prazer em pensar se julgarmos que o trabalho mental será recompensado pela sensação de prazer que ele nos trará. No exato momento em que nossa curiosidade nos impele a explorar novas ideias e problemas, avaliamos quanto esforço mental será necessário para solucionar o referido problema. Se for excessivo ou muito pequeno, nosso esforço não valerá à pena.

No contexto escolar, quando o aluno trabalha com atividades em um nível adequado de dificuldade, estudar se tornará um trabalho recompensador. Por outro lado, realizar atividades em um nível excessivamente fácil ou difícil, tornará o trabalho desagradável. Se um aluno for constantemente bombardeado com tarefas demasiadamente complexas para seu nível de entendimento, correrá o risco de desencadear  um alto grau de frustração, comprometendo sua autoestima e  seu prazer em estudar.

Qual seria a solução? Oferecer atividades mais simples? Se tentássemos seguir por este "atalho", não estaríamos contribuindo para o pleno desenvolvimento do potencial cognitivo do aluno. Além disso, teríamos que ter muita cautela para não tornar as atividades tão fáceis a ponto de entediá-lo e/ou desmotivá-lo.  Por outro lado, em vez de tornar o trabalho mais fácil, seria possível tornar o ato de pensar mais fácil?

A resposta a esta questão é bastante complexa. Precisaremos entender como se dá o processamento do ato de pensar. Irei abordá-lo na Parte II deste texto, a ser postado em breve neste blog.

Cristiane Marx Flor, Psic., MSc.


Fonte: Willingham, Daniel T., 2009. Why don't students like school?, Jossey-Bass, CA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário